Segundo Engels, antes da revolução industrial "os trabalhadores sobreviviam suportavelmente e levavam uma vida honesta e tranquila, piedosa e honrada; sua situação material era bem superior do que a de seus sucessores: não precisavam se matar de trabalhar, não faziam mais do que desejavam e, no entanto, ganhavam para cobrir suas necessidades e dispunham de tempo para um trabalho sadio em seu jardim ou no campo, trabalho que para eles era uma forma de descanso". A culpa disso ter desaparecido, ainda segundo Engels, co-autor do "manifesto comunista", esse paraíso desapareceu com as máquinas, pois artesãos e camponeses tiveram de se mudar para as cidades imundas e morar em "estábulos destinados a seres humanos". Depois do livro de Engels, tornou-se comum associar que as fábricas e grandes empresas com a diminuição da qualidade de vida, ou acreditar que as máquinas tiram empregos, que os empresários gananciosos fazem os operários ganharem apenas para sobreviver e que a pobreza de muitos vem da riqueza de poucos. Na época era fácil fazer tal associação, pois a jornada dos operários ingleses passava de 12 horas por dia. De acordo com o censo de 1851, 36% das crianças entre 10 e 14 anos trabalhavam, algumas delas em canais de ventilação em minas de carvão ou limpando chaminés. Mendigos, meninos de rua, bêbados, prostitutas e desempregados vagavam por ruas escurecidas por fumaça. Em 1841, a expectativa de vida em Manchester era de 25 anos; em Londres, de 36; na zona rural, de 45. Engels e Marx viram tudo certo, mas entenderam tudo errado. Diante de tantos pobres recém-chegados e fábricas recém-construídas, era fácil explicar um como consequência do outro, porém não é isso. Antes da revolução industrial, aquelas crianças e trabalhadores não existiriam, pelo menos a maioria deles, pois morreriam no ventre de suas mães, ou nos primeiros anos de vida. As fábricas salvaram os pobres ingleses de morrerem de fome, os empresários do mal, ávidos por lucro, tornaram desnecessário o trabalho infantil e as máquinas criaram milhões de empregos. O capitalismo industrial, ao desprezar hierarquias baseadas no sobrenome (que era como as coisas funcionavam antes) e tornar possível a abundância de produtos a preços baixos, foi a melhor coisa que aconteceu aos pobres em toda a história do mundo. Para viver antes da revolução industrial, você precisaria se habituar a um fenômeno frequente: a morte de crianças. Enterrar um filho acontecia em 40% das famílias. As crianças só ganhavam um nome depois de viverem alguns meses, de tanto que elas morriam. Um inglês nascido em 1861 tinha expectativa de vida de 36 anos, menor que a dos piores países africanos hoje. Depois da revolução industrial, os ingleses pararam de morrer assim tão frequentemente. O cercamento das propriedades rurais e o uso de novas técnicas de agricultura levaram a uma maior disponibilidade de alimentos. Com mais nutrientes na gravidez, o número de bebês natimortos caiu mais que a metade ao longo daquele século, a mortalidade até um ano de vida caiu 40% e os adultos deixaram a morte um pouco para mais tarde. Porém, mais gente viva significava mais gente comendo, e a comida era algo que desaparecia de vez em quando. Até então, quando a população crescia, a fome tinha o mesmo destino, causando mortes, doenças e abortos que levavam as pessoas de volta ao que estavam antes. Essa é a "armadilha malthusiana" que professores de história explicam como "uma visão burguesa que culpa os pobres pelos males do mundo". O que ele dizia é que, com mais gente viva, porém com a mesma produção de alimentos, a fome reinaria. Para escapar da "armadilha malthusiana", aquelas multidões tinham que ou migrar pra américa do norte como servos por contrato, ou alistar-se como soldados no exército (muitos ou morriam ou voltavam mutilados das guerras, acabando como mendigos). Isso aconteceu até que perceberam que tinham que fazer o trabalho render mais. Precisavam de alguém que lhes pagassem um salário o ano todo, e não só nas épocas de colheita, como era antes da revolução industrial. Foi assim que esses ingleses migraram pras cidades, pra trabalhar nas fábricas. Ludwig Von Mises diz em um de seus livros: "Os proprietários das fábricas não tinham o poder para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que esses salários fossem baixos, ainda assim eram muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. Aquelas mulheres não tinham como alimentar seus filhos. Aquelas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; que as salvou, no estrito senso do termo, de morrer de fome." Mises acrescenta: "É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas que - certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo - fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras de muitos historiadores, eram os "bons e velhos tempos". Não morrer de fome era uma excelente notícia, mas, de novo, houve um efeito inesperado. Durante a revolução industrial, a população aumentou de uma forma mentirosa. Pessoas que antes morriam de fome quando crianças, agora se tornaram moças e rapazes. As notícias de que a Inglaterra tinha outros modos de ganhar dinheiro se espalhou, atraindo milhares de imigrantes. Imagine que você chama seus amigos - só os mais chegados - para um churrasco na sua casa. Você tem fama de pilotar bem a churrasqueira, então a turma aparece em peso - e ainda leva amiga, casinho, namorado. São 20 bocas doidas por picanha quando sua irmã telefona dizendo que vai levar o marido e aqueles três filhos esfomeados. O vizinho também sente o cheiro de carne, e como é bom manter uma relação saudável com a vizinhança, você chama ele também. Com mais de 30 querendo comer, não é difícil dizer que todos vão embora com fome. A tal "armadilha malthusiana". Mas ao contrário do que todos pensavam, aconteceu que todos saíram satisfeitos do churrasco, no caso da Inglaterra. A população aumentou e os salários também. Como esse milagre aconteceu? Por três motivos: O primeiro foi o aumento de produtividade. As máquinas fizeram o mesmo trabalhador produzir mais em menos tempo. É como se você ganhasse uma churrasqueira que assa mais rápido usando menos carvão. Além disso, o crescimento da economia, mais rápido que o da população, aos poucos puxou pra cima os salários e pra baixo as horas de trabalho. "Os empregadores passaram a competir pelos melhores empregados, oferecendo salários maiores e horas de trabalho menores", explica o economista Thomas DiLorenzo. O terceiro motivo é que a produção em série fez as mercadorias custarem menos. Isso porque, pela primeira vez naquela história, os grandes negócios eram destinados a produzir coisas baratas, atingindo o maior mercado possível. Afinal, para a produção em massa poder existir, era necessário haver consumo em massa. Mercadorias que antes eram produzidas apenas pelas corporações de ofício, com preços tabelados, proteção do governo contra concorrentes e destinadas a aristocratas e senhores de terras, entraram num processo sem fim de popularização. Havia nas cidades outro poder de atração. Aqueles milhares de camponeses pobres tinham, pela primeira vez, a oportunidade de tentar morrer melhor do que nasceram. Não precisavam mais aceitar a vida de párias nas grandes fazendas, onde a hierarquia tradicional, o sobrenome e o parentesco costumavam fixar a posição de cada um. Mesmo os historiadores marxistas admitem que as fábricas deixaram os produtos mais acessíveis. Mas argumentam, como faz o historiador Eric Hobsbawm em um de seus tantos equívocos, que a miséria foi exportada para os países perdedores daquele processo, os subdesenvolvidos do terceiro mundo. Acontece que em todos os lugares onde as empresas passaram, o processo foi parecido: Salários no início miseráveis, aumentando pouco a pouco; máquinas produzindo em massa por um preço cada vez menor; pobres com maior poder de compra e cada vez mais bem-vestidos e alimentados. As pessoas passaram a "sofrer" dos males da classe média: excesso de alimentos, carros, objetos em casa. A revolução industrial fez tão bem aos pobres que a elite ficou indignada com ela. Até o século 18, era possível saber facilmente se alguém era nobre de acordo com as roupas, o peso e a altura. Com a popularização dos móveis, relógios, couro, tapetes, etc, tornou-se difícil distinguir aristocratas de burgueses, e burgueses de pobres. Muitos nobres se revoltaram contra isso e criaram leis que limitavam o consumo. Essa confusão de classes contribuiu para o mito de que a vida antes do capitalismo era melhor. A nobreza criou o mito de que antes de tudo isso, desse "consumo desenfreado e a ânsia por lucro", a vida era melhor, quando as classes estavam "contentes"com suas posições sociais e não aspiravam melhorar de vida. Pena que essa melhoria de vida ainda não estava evidente em 1840, quando Engels e Marx começaram a escrever contra a burguesia. Em pouco tempo a população deixaria de aumentar tão rápido e os salários aumentariam de forma considerável. A questão é: Se Engels e Marx tivessem esperado mais 10 anos, talvez o comunismo marxista não existiria.
POR LUCAS MOMBAQUE